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sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Inglês em público: estratégia didática ou status social?

Por Profª Dra. Renata Munhoz

O final de semana na capital paulista oferece uma cena recorrente em restaurantes e padarias da classe média alta: mesas com reuniões profissionais em inglês e outras mesas com pais brasileiros conversando com seus filhos (também brasileiros) em voz alta (normalmente bem alta!) também em inglês… Você já presenciou uma dessas cenas?
Eu já presenciei inúmeras vezes e, como sou professora de Língua Portuguesa para nativos e para estrangeiros, fiquei super intrigada com o fenômeno.
Como menos de 1% dos brasileiros é fluente em inglês, segundo a CNN, usar o idioma em público pode ser um forte marcador social. Passei, então, a tentar entender o que realmente motiva essa estratégia linguística.
Trata-se de uma escolha de algumas famílias que, inclusive optam por uma educação bilíngue na hora da escolha da escola aos filhos. De acordo com a Associação Brasileira do Ensino Bilíngue (ABEBI), o Brasil conta com mais de 1,2 mil escolas com ensino bilíngue em todo o país, com um crescimento de 10% num período de cinco anos. De 2023 para cá, houve um aumento de 64% na procura por modelos de ensino com um segundo idioma, sobretudo nas capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Não há números exatos, mas o grupo de pais que adota o inglês como língua doméstica é crescente. Eles são impulsionados pelo desejo de dar aos filhos um “passaporte linguístico para o futuro”. O que a observação em público não revela é a memória profissional que reside nessas famílias: muitos desses pais viveram na pele o freio de carreira imposto pela limitação do inglês, uma barreira que os impediu de acessar melhores salários ou posições globais. O investimento em escolas de educação básica caríssimas, o uso de vocabulário específico em family talks e a luta pela Segunda Língua (SL) são, na verdade, uma forma de evitar que os filhos repitam essa experiência.
A luta é contra a própria natureza da aprendizagem no Brasil. Para a Linguística, a segunda língua (SL) é aquela aprendida em um ambiente de imersão total — como um imigrante que aprende inglês vivendo nos EUA. Já a língua estrangeira (LE) é estudada formalmente em um contexto onde não é falada, como em um curso tradicional de inglês no Brasil. Para essas famílias, conversar em inglês em público não é apenas uma escolha, mas um esforço pedagógico para simular o contexto de imersão de SL que o Brasil, por si só, não oferece.
Essa estratégia consciente é adotada pelos três perfis de famílias mais comuns: brasileiros que viveram no exterior, buscando manter o bilinguismo de imersão; famílias mistas, onde o inglês é a língua de afeto e comunicação básica; e famílias focadas ativamente no bilinguismo, que utilizam rotinas e recursos para criar essa imersão artificial. A pressão é canalizada no mercado educacional por meio das escolas bilíngues (instituições inteiras que usam dois idiomas como meio de instrução) ou dos currículos bilíngues (programas específicos que ampliam a carga horária da segunda língua).
O alto investimento e a consequente baixa fluência da população geral fazem com que o bilinguismo se torne um capital social poderoso. No entanto, o desafio central para todos nós é garantir que o saber de uma língua seja compreendido não apenas como poder e distinção social, mas como um instrumento de crescimento a ser partilhado. O que vemos nas padarias em capitais como a cidade de São Paulo é a demonstração de que a estabilidade na vida profissional do filho está sendo buscada, frase a frase, pelos pais. A fluência é o resultado de uma estratégia constante, um atestado de que a família está investindo na única certeza que o mercado de trabalho exige. O inglês se transforma, assim, de um acessório de elite, para uma garantia de futuro contra a precariedade que a geração anterior conheceu.
Entende-se que cenas como as reuniões pronunciadas em alto som e as conversas de pais com seus filhos brasileiros em inglês em locais públicos em metrópoles como São Paulo seja, inegavelmente, um reflexo dessa luta pedagógica para criar uma Segunda Língua (SL) em um ambiente de Língua Estrangeira (LE). Contudo, essa persistência, quando exibida em voz alta, inevitavelmente extrapola a esfera da estratégia didática e adentra o campo da exposição social.
O idioma fluente, nesse contexto, torna-se um símbolo de status altamente eficaz, funcionando como uma peça de marca cara. Assim como uma bolsa de grife, um sapato exclusivo ou uma roupa de alta costura, a fluência em inglês e o bilinguismo precoce dos filhos são indicadores visíveis de um investimento financeiro e cultural significativo. Esse investimento é materializado pelas escolas bilíngues de mensalidades elevadas, pelas viagens ao exterior para imersão e pela dedicação de tempo dos pais.
Portanto, o ato de falar inglês publicamente adquire a função de prova social. É uma forma de os pais demonstrarem que possuem o capital financeiro para acessar o mercado de educação de elite e o capital cultural para dominar essa competência global, que ainda é inacessível para a vasta maioria da população brasileira. A cultura, neste sentido, é utilizada como uma forma de exposição calculada, explicitando a posição social privilegiada da família e reafirmando, no espaço público, que a próxima geração terá as ferramentas necessárias para não enfrentar as mesmas limitações profissionais que a geração anterior sofreu. Parece que a língua, assim como itens da moda de luxo, representa um potente vetor de distinção social…

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