Lorena Villar, especialista em felicidade corporativa e sócia da Felicistart dá dicas de como evitar o carewashing
Por Lorena Villar
Foto: Arquivo pessoal Lorena Villar
No cenário atual do ambiente de trabalho, a saúde mental e o bem-estar dos colaboradores têm deixado de ser apenas um diferencial competitivo para se tornarem uma exigência legal e um pilar fundamental da gestão de pessoas. No entanto, um fenômeno preocupante, o “Carewashing”, ameaça a eficácia de muitas iniciativas de bem-estar, e sua prática pode trazer sérias implicações legais e organizacionais, especialmente com as atualizações da NR-1.
O termo “carewashing” descreve a tendência das organizações em fazerem promessas de cuidado e segurança psicológica sem um compromisso genuíno ou ações sistêmicas. Em vez de atacar as causas-raiz dos problemas de bem-estar, empresas oferecem soluções superficiais, como por exemplo “treinamento de mindfulness ou mesas de ping-pong”. A armadilha do “carewashing” reside em sua natureza ilusória. Embora possa parecer que a organização está agindo, a falta de profundidade e autenticidade dessas iniciativas é rapidamente percebida pelos colaboradores. O resultado? Uma pesquisa Gallup, revela que a percepção dos funcionários de que suas organizações se importam com seu bem-estar despencou de 49% em 2020 para meros 21% em 2024. Essa desconexão leva à frustração, aumento da rotatividade e queda na motivação, minando a confiança e comprometendo o ambiente de trabalho. Além disso, como o artigo da Harvard Business Review, “Why Workplace Well-being Programs Don’t Achieve Better Outcomes,” sugere, muitos programas de bem-estar falham não por falta de investimento, mas pela ausência de uma abordagem estratégica e integrada que mire nas causas sistêmicas do sofrimento, em vez de apenas nos sintomas individuais.
A NR-1: O Marco Legal Contra a Superficialidade
É neste ponto que a Portaria MTE nº 1.419, de 27 de agosto de 2024, que altera a NR-1, se torna um divisor de águas. O Guia de Informações sobre os Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho elaborado pela Coordenação-Geral de Normatização e Registros, deixa claro que os fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho devem ser claramente trabalhados no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) de acordo com o novo texto da NR-1. Isso significa que, a partir de maio de 2026, não é mais uma questão de “se” ou “talvez” as empresas devem abordar esses riscos, mas “como” e de forma comprovável.
A NR-1 exige uma gestão robusta e sistemática, que abranja a identificação de perigos, a avaliação de riscos, a classificação dos riscos e a adoção de medidas de prevenção, além do acompanhamento e controle. O guia NR-1 ressalta que essa abordagem deve ser combinada com a NR-17 (Ergonomia), utilizando a Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP) e, quando necessário, a Análise Ergonômica do Trabalho (AET).
É crucial entender que a norma NÃO fala sobre a responsabilidade de gerenciamento da saúde mental individual do trabalhador fora do contexto laboral e, sim, da responsabilidade de gerenciamento dos fatores de riscos psicossociais do local de trabalho. Conforme explicitado no guia: NR-1 – Gerenciamento de riscos ocupacionais (GRO), p. 6
“FATORES DE RISCOS PSICOSSOCIAIS RELACIONADOS AO TRABALHO” para fins de aplicação no GRO: perigos decorrentes de problemas na concepção, na organização e na gestão do trabalho, que podem gerar efeitos na saúde do trabalhador em nível psicológico, físico e social, como por exemplo o desencadeamento ou agravamento de estresse no trabalho, esgotamento, depressão, DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), entre outros.
Isso é uma contramão direta ao “carewashing”, que frequentemente se concentra em “cuidar” do indivíduo com ações pontuais (muitas vezes terceirizadas a outras empresas e/ou aplicativos) sem alterar as condições de trabalho que geram o risco. A NR-1 exige que a organização examine os perigos inerentes à “concepção, organização e gestão do trabalho” – ou seja, os fatores sistêmicos que o “carewashing” na maioria das vezes ignora. A falta de abordagem desses riscos, como “excesso de demandas (sobrecarga), assédio, baixa clareza de papel/função”, pode levar a transtornos mentais e DORT, gerando um custo global de trilhões de dólares anualmente, como alertado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização Mundial da Saúde (OMS).
Como Evitar o Carewashing e Garantir a Conformidade com a NR-1 na Prática
Para os profissionais de RH, o desafio é transformar a intenção de cuidado em ações tangíveis e conforme a legislação. Aqui estão algumas sugestões para evitar o “carewashing” e implementar uma gestão eficaz dos riscos psicossociais: Compromisso Genuíno da Liderança e Atribuição de Responsabilidades, Identificação e Avaliação Sistemática dos Riscos, Foco em intervenções no contexto organizacional, Não apenas individuais, Participação Ativa dos Trabalhadores, Documentação Rigorosa e Melhoria Contínua.
Para as empresas, a NR-1 não é apenas mais uma regulamentação; é uma oportunidade de guiar suas organizações para um patamar mais elevado de responsabilidade social e performance. O “carewashing”, além de enganoso, é insustentável e arriscado diante das novas exigências legais. O verdadeiro cuidado com o capital humano exige coragem para enfrentar os desafios sistêmicos, investir em processos autênticos e transparentes, e agir com base em dados e na participação dos trabalhadores. Ao fazer isso, as empresas não apenas evitarão multas e passivos trabalhistas, mas constroem ambientes de trabalho verdadeiramente seguros, produtivos e engajadores, onde o bem-estar é uma realidade, e não apenas uma promessa vazia.