Por Profº Dra. Renata Munhoz
O final do ano letivo pode ser um tempo de incertezas para uma parcela significativa dos professores da Educação Básica. Isso porque ocorre, anualmente, a “dança das cadeiras docente”, um fenômeno que expõe a fragilidade do vínculo empregatício e a falta de profissionalismo na gestão de recursos humanos em muitas instituições de ensino privado. Para o professor, o simples fato de estar empregado é a única condição para poder ser inesperadamente dispensado entre o final de novembro e dezembro.
As escolas expõem sempre os mesmos argumentos: “reformulações na equipe”, “menos rematrículas para o ano seguinte”, “redução do número de aulas” ou, de forma mais vaga, a “redução do quadro de professores”. A verdade, porém, é que essas demissões quase sempre ocorrem de maneira abrupta e inesperada, o que é inaceitável em qualquer mercado profissional minimamente maduro. A surpresa é o sintoma da ausência de uma cultura de gestão sólida, visto que normalmente não fazem parte do planejamento das gestões escolares os planos de desenvolvimento de carreira dos professores, nem a entrega regular de feedback sobre o seu trabalho. Foi a partir de situações assim que minha colega de profissão e amiga pessoal, Aline Canuto de Abreu Santana, transformou essa realidade em estudo de caso no livro Fui mandado embora, e agora? O melhor está por vir, publicado pela editora Ases Da Literatura em 2024 e disponível para venda pela Amazon.
Parece que, por mais que o professor goste do trabalho na instituição em que está e sinta uma certa “segurança” construída pelo vínculo de afeto e profissionalismo com a comunidade escolar, ele precisa estar sempre com olhos atentos a novas vagas no final de cada ano. Esse estado de alerta parece inerente à profissão, porque a própria vaga que ocupa pode, por vezes, aparecer já aberta para processo seletivo antes mesmo de seu desligamento oficial. A precariedade atinge níveis de absurdo no momento da busca por recolocação, como demonstram os anúncios que circulam no universo docente. Um caso inusitado foi a publicação de uma vaga que, em sua descrição, exigia candidatos masculinos para dar aulas de Biologia no Ensino Médio, com a condição adicional de que o candidato não poderia ter mais de 30 anos e deveria ser cisgênero. O colégio dizia-se cristão e exigia que o candidato também vivesse em “um lar com preceitos cristãos”. O cúmulo do desrespeito vinha no pagamento: o valor da hora-aula era de apenas R$ 23,00 e o principal benefício listado era a oportunidade de pertencer a um grupo de oração e receber também orações… Esse é apenas um exemplo dos tantos que circulam entre os professores e que, certamente, os pais que matriculam seus filhos em um colégio particular e pagam regularmente as mensalidades desconhecem.
Outro exemplo de desvalorização profissional, eu própria vivi recentemente. Recebi um telefonema de um grande cursinho de São Paulo. O responsável pelo RH informou que havia encontrado meu currículo no LinkedIn e que estava me convidando para fazer uma prova que duraria quatro horas. Perguntei, então, quais seriam os dados básicos da vaga, como local de trabalho e valor da hora-aula. A resposta foi chocante: disse que não trabalhavam assim e que o candidato primeiro precisava passar na prova, para depois receber informações tão específicas e sigilosas. Tão específicas? Será que qualquer outra profissão aceitaria fazer uma prova escrita de quatro horas a uma vaga para a qual nem sequer enviou CV, sem saber onde e quando trabalharia nem quanto ganharia?
Para concluir, a dignidade do trabalho docente é inseparável da qualidade do ensino oferecido. Por isso, sempre que me perguntam referências de escolas particulares de Ensino Básico, oriento as famílias a conversarem com os professores da instituição. Isso porque o fator determinante para um bom ensino é entender qual é a rotatividade da equipe, qual é o valor dos salários e se há estabilidade na equipe. São os professores que preparam e ministram as aulas, permanecendo com os estudantes a maior parte do tempo.
Sendo assim, a instabilidade e o desrespeito sofridos por esses profissionais extrapolam o âmbito das leis trabalhistas e se refletem na qualidade da experiência em sala de aula. Não se trata de um benefício: a dignidade dos professores é o fator decisivo para a qualidade da Educação.
Foto: Diego Maciel
@diegomacirlfotografia












